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A Melhor Amiga da Barbie

A culpa é do Miguel.

16.10.13 | Ana Gomes

 

 

 

Há coisas que sempre soubemos, mas que nunca nos apercebemos que sabíamos. 

 

Acontece-me. E depreendo que aconteça com outras pessoas também. 

 

Já fui mais crédula, já fui mais sonhadora, idealista. Não me lembro de acreditar em Contos de Fadas, mas tenho a certeza que um dia acreditei. Não sei o que é o Amor, nem a definição exacta do verbo : Amar. Flutuo constantemente entre a certeza e o vazio.  

 

Preciso - antes de continuar - de deixar um pequeno apontamento : Acho que as pessoas não têm de ser assim. As pessoas são como são. 

 

Por motivos importantes, mas que podem ser maçadores, sei que há coisas na vida que têm de ser aproveitadas no momento. Ditas na altura. Vividas. Sugadas. Que as pessoas têm de ser abraçadas, que temos de dizer "gosto de ti", que temos de fazer todas as declarações - sejam de que tipo for - quando sentimos esse impulso. 

A verdade é que as traições da vida nos levam as pessoas sem esperarmos. ( é este o motivo real e experenciado que me leva a ser assim ).

Ou somos levados pela vida. 

A única vez que tive um ataque de ansiedade dentro do avião foi no momento em que percebi que se aquela porra caísse... eu não teria dito a uma pessoa coisas muito importantes, que caso eu fosse desta para melhor, iriam resultar numa confusão danada. Pensei no filme do Almodovar e achei que haveria um telefone no avião e podia resolver a questão assim. 

 

Os meus retrocessos de expressão livre advém de uma certa resistência em lidar com a negação. Numa geração que se sente constantemente "pressionada" pelo par, pelo patrão, pelas obrigações... Há palavras de carinho que são extrapoladas e vão parar à caixa errada.

E o destinatário sente-se desconfortável com as palavras ou os actos espontâneos de Amor/Amizade/Carinho. Sente-se "pressionado". 

 

Não querendo ser sexista, mas analisando a minha vivência em termos percentuais, os homens das duas uma : 

 

- Ou não sentem coisas pueris e de uma beleza diferenciada, que surgem - na maioria das vezes - nos momentos mais simples;

 

- Ou não conseguem expressar esse sentimento, porque : 

 

a) A vida para eles é tão mágica que aquilo é só mais um momento;

b) Não têm capacidade de expressão. 

 

Antes que me saltem em cima eu digo já : Eu sei que há homens diferentes. E é por saber que acho que o meu coração se parte muitas vezes aos pedacinhos. É que sou do género de pessoa que se sente capaz de se apaixonar por um cheiro, por um toque, por um encaixe, por uma rua, por um sabor. Porque há dias em que eu queria um Miguel, não o Miguel claro, mas um Miguel. 

 

Falo do Miguel Esteves Cardoso e da forma como escreve para a Maria João. 

Ele disse que o Amor é Fodido, e eu sinto-me à vontade para pensar sempre : Foda-se! quando leio as crónicas dele para a mulher. 

 

A culpa é tua Miguel.

 

Porque mostras publicamente que os homens são capazes de não ter medo do ridículo, de ter ciúmes das coisas pequenas - que não pessoas, são particularidades. Tu Miguel escreves que existe a capacidade de amar os pormenores.

 

Esta revelação aconteceu pouco tempo antes de ir de viagem. Era... daquelas coisas que sempre soube, mas só fez o clique naquele dia. Foi por existirem crónicas como esta de 30 de Setembro, que tomo a liberdade de transcrever em parte, que confirmei com uma amiga querida, que o nosso mal era sabermos que há um Miguel... 

 

"Desde que a Maria João casou (oficialmente) comigo há treze anos, damos por nós a casarmo-nos um com o outro, voluntária ou involuntariamente, várias vezes por dia. 
Vou contar só uma. Esta semana, quando voltávamos da praia, a Maria João estava a pentear-se e deu-me uns cabelos soltos para eu deitar pela janela do carro. Tive ciúmes que alguém pudesse apanhar os lindos cabelos dela e disse-lhe. Dei-lhes um beijinho e atirei-os ao vento. E a Maria João disse: «Agora tenho eu ciúmes que alguém apanhe o cabelo com beijinhos teus». 

Casámos um com o outro nesse momento. Já tínhamos casado cinco vezes na praia. Casar é o que acontece quando duas pessoas descobrem que, por estarem a fazer ou terem feito uma coisa grande ou pequena, são as duas únicas pessoas no mundo. Todas as outras pessoas não podem fazer parte daquele prazer. Aquele prazer só é possível para duas pessoas concretas: ela e eu." 


Ou um ano antes : 


O Meu Maior Medo

O amor em todo o coração e em toda a parte se procura. Já anima a possibilidade de ser encontrado e a incerteza de não passar o resto da vida sem poder amar e sem poder ser amado. O que custa é acreditar naquilo que se tem, quando todos os dias, ao longo de longos anos, se consegue encontrar esse amor que se procura, na pessoa que se ama e no lugar e no tempo - aqui, agora, daqui a bocadinho - em que mais gostamos de encontrá-lo. 
Hoje a Maria João e eu fazemos doze anos de casados e a única esperança que eu tinha - que se tornasse mais fácil acreditar na sorte que me coube na pessoa que ela é e na cegueira de olhar uma segunda vez para mim - acabou por ser mentira. 
Há um castigo para tudo: até para a maior felicidade. É o medo não só que tudo acabe mas que se descubra, de alguma maneira, que nunca tenha começado. Por exemplo, se ela se apaixonasse por outra pessoa. 
«Não vai durar, não pode durar, é bom de mais para durar»: é isto que repito no êxtase da minha alegria roubada ao sol, como se o nosso amor e a nossa vida um com o outro fossem um prazer retumbante com um fim à vista, naturalmente aceite quando chega, como comer um gelado. 
Mas dura e, quanto mais tempo dura, mais medo tenho que esteja mais perto de acabar. Não há habituação possível a esta felicidade. Não há conforto nenhum na passagem dos anos por este amor. 
Cada vez mais, torna-se a única coisa que peço a Deus e a ela: Maria João, por favor, não me deixes nunca. 


Os exemplos poderiam ser centenas, mas não consigo não deixar aqui outra transcrição : 


As Saudades Curtas


Também as versões-formiga dos maiores sentimentos têm tanto direito ao respeito como os leões e as impalas. Até por serem muito mais numerosas e frequentes, como está a multidão de insectos para com a pequena minoria dos vertebrados. 
A minha formiguinha emocional são as saudades curtas que eu tenho da Maria João. Plenas não posso ter, graças a ela e a Deus, porque são poucos os momentos em que ela não está comigo. Mesmo não sendo muitas, essas faltas, por muito felizmente pequenas e provocadas pela necessidade, são suficientes para incutir em mim a dor, nem que seja por cinco minutos apenas, de estar separado dela. 
Parecem estúpidas as saudades curtas. São certamente insensíveis e solipsistas, perante as saudades longas e profundas, que não têm cura nem, por serem insolúveis, têm a esperança de, um dia, deixarem de existir. 
São saudades de uma hora, de um almoço perdido, de uma tarde interrompida. Parecem irracionais e ingratas, estas saudades curtas, de que sofrem as pessoas apaixonadas e felizes ou infelizes. 
Mas não são. Daqui a um X número de horas, vou morrer. Daqui a um Y número de horas, vai morrer a Maria João. Morra quem morra, com a maior ou mais pequena das antecedências, o certo é que o tempo da vida e da saudade está contado. 
Cada hora que não estou com ela está para sempre, definitivamente, finitamente perdida. E é daí que vêm as saudades curtas do amor, que tomam cada momento por uma vida. Só por amor se vive assim. 

Miguel Esteves Cardoso, in 'Jornal Público (18 Jun 2011)'

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