Diários de Quarentena 1
Ainda não vos falei da minha "quarentena".
Basicamente tomei a decisão de no dia 11 de Março tirar a Vi da escola e não sair mais de casa. Foi uma decisão um pouco difícil de tomar porque tinha estado durante mais de um mês a montar um evento com a minha agência. O evento ia acontecer dia 12 e foi um pequeno balde de água fria ( e um outro balde de ver cívico ) que nos fez antecipar a decisão do governo de cancelar tudo. E assim foi.
Confesso que os primeiro dias foram agri-doces. Eu estava consciente que seriam mais de 15 dias mas não sabia o que isso significava na prática : continuamos todos sem saber.
Não estava muito preocupada com a parte da comida, tinha várias mercearias em casa e achei que seria relativamente fácil encomendar os frescos pelos cabazes de sempre : o processo não se revelou assim tão simples, mas a verdade é que alterando os "fornecedores" tenho conseguido manter esse plano. Mas já fui ao supermercado, quatro vezes. As primeiras com compras completamente irracionais, as ultima um pouco mais regradas, mas ainda assim faz-me alguma confusão gerir prazos de entrega de semanas! Acho que é isso que faz com que as listas de compras sejam um pouco irracionais.
Saudades ( que são muitas) a parte... tenho conseguido gerir as coisas com a leveza possível. Também sei que ajuda morar numa casa com um quintal mínimo ao lado... mas sempre dá para apanhar ar e para tentar estimular a Vi fora de casa. Ainda assim há toda uma logística de sapatos que vão à rua e não passam do metro quadrado da entrada de casa.
Depois houve aquela sensação de "tenho um mundo de oportunidades pela frente". Saber que iria ficar fechada em casa sem compromissos externos teve de imediato um sabor agri-doce. Quase literalmente, num dos primeiros dias lacrimejei enquanto comia uma empada de tofu e algas da Próvida que comprava todas as semanas no Celeiro e que... de repente ia deixar de fazer parte das minhas rotinas. Isso e toda a minha liberdade, os passeios, os programas com as amigas, os meus pais a passar metade da semana em nossa casa. Essa é uma dor que se mantém. E depois o confronto com a outra realidade : achei que iria ter finalmente tempo para arrumar coisas em casa, deitar coisas fora, ler os meus livros em lista de esperar, escrever, fazer treinos online, ter rotinas de beleza incríveis. Erm... na primeira semana ainda peguei no livro, deitei uma coisa fora por dia, fiz um spa caseiro com a Vitória e treinei 6 em 7 dias. Mas a segunda semana chegou com uma letargia inacreditável : os dias passavam a correr e eu não fazia muito mais do que cozinhar, entreter a Vi, dar um jeito a casa e falar ao telefone. Caiu-me tudo em cima de repente. Não que ache que as pessoas devam aproveitar esta fase para fazer algo extremamente produtivo : mas a letargia estava a dar cabo de mim. Domingo dei um murro metafórico na mesa e pensei que tinha de ter uma agenda. E que em cada dia deveria pelo menos fazer uma coisa, fosse o que fosse. Mas algo que me acrescentasse e que fosse para além da hercúlea tarefa de ter a casa organizada e evitar que Vitória passasse todas as horas do dia a olhar para ecrãs. É que há o detalhe de ela não dormir a sesta em casa e por isso não me dar aquele "time out" em que me posso organizar a não fazer nada.
Enfim. Não me queixo. Na minha família estamos todos óptimo de saúde. A minha ansiedade ainda não me veio visitar, não me tenho sentido deprimida. Acho que temos de arranjar estratégias para nos sentirmos leves e isentar os sentimentos de culpa.
Voltei a sentir necessidade de escrever só porque sim. Nem todos os conteúdos têm de ser super úteis. Não é verdade?
E o vossos dias? Como correm?