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A Melhor Amiga da Barbie

Diário Dela #16

17.01.14 | Ana Gomes

 

"Hoje sonhei com a noite em que deixámos de ser os melhores amigos. A caminho de uma festa. Num carro cheio, quatro pessoas num banco de três. 

Eu numa perpendicular esquisita, meia no teu colo, meia no ar. Deixei cair o telemovel. Baixámo-nos os dois para o apanhar e demos um beijo. O primeiro, o último.

O único. 

Senti aquele arrepio quando nos inclinámos ao mesmo tempo. O mesmo arrepio que senti tantas vezes. Que escondemos os dois. Não dos outros mas de nós. Um do outro. 

No meu sonho nada aconteceu de diferente. 

 

Muitos meses antes: um grupo de amigos divertido e tu eras o melhor. O meu melhor amigo. 

Por seres assim eu não te sabia ver feio, nem apreciar o teu corpo. Não é conversa. Era mesmo assim. Ralhavas tanto comigo porque eu fumava, mas eras sempre tu que os acabavas os meus cigarros. O teu pai tinha uma aparelhagem maravilhosa e no chão da vossa sala ouvíamos discos com o teu irmão.

No dia em que me disseste que iam morar para outra cidade senti-me injustiçada. Chorei. Não queria que fosses. Duas horas de distância era um mundo.

Uma amiga minha começou a namorar com o teu grande amigo e foi assim que nos conhecemos. Não foi uma história encantadora. Foi só assim. 

No dia em que me disseste que iam morar para outra cidade ficou tudo diferente.

Gravávamos cds um para o outro, íamos juntos a concertos, combinávamos sempre um copo mesmo que mais ninguém fosse. Todos os dias nos preparávamos ao contrário para a vida um sem o outro.

Com o Verão chegou a boa noticia - ficavas, já não iam embora. E depois do alivio vieram as tardes na piscina. A tua barriga era a minha almofada e lia-te livros em voz alta. Depois mergulhava e voltava para sacudir o meu cabelo molhado em cima de ti. Até ao dia em que quando me levantei me agarraste a mão. Não me lembro de o teres feito antes - com certeza que sim - mas naquele instante foi a primeira vez que me senti agarrada a ti, por ti, e fiquei com um nó na garganta. Naquele pedaço de tempo em que me voltei a deitar ao teu lado : olhos nos olhos. Senti a palma da tua mão fria e ligeiramente transpirada. 

Daí para a frente as gargalhadas passaram a sorrisos cumplices, os olhares deixaram de contar histórias e passaram a fazer perguntas e a querer respostas.

Deixaste de me puxar para o teu colo e passámos a demorar mais tempo nos abraços. Quando no fim de um dia ou de uma noite nos despedíamos sozinhos o nó voltava a atar-se e a tua mão esfriava. Nunca falámos sobre isso. Nunca por palavras.

E numa noite em que dançámos, como todos os fins-de-semana até ali, senti o meu corpo a precipitar-se para o teu e ao mesmo tempo a angustia do desejo errado. 

Voltei para casa a desejar que te fosses embora. Que o tempo voltasse para o dia em que soube que te ias embora. Mil vezes sofrer por não te ter comigo do que sofrer por te querer demais. 

O que era bonito e puro em nós era a cumplicidade descomprometida. Era ouvir música no chão da tua sala, ter a tua barriga como almofada, ler para ti, rir contigo, saber de ti tanto quanto sabia de mim. 

 

Naquela noite, no carro, quatro pessoas no lugar de três. Um beijo.

Beijámos tantas pessoas desde o dia em que nos conhecemos. Era mais um beijo? Foi o beijo. 

Sem inocência. Sabíamos tanto um sobre o outro...  que quando os nossos lábios se tocaram suavemente provámos o mesmo veneno." 

 

Diário Dela 

 

 

 

 

 

2 comentários

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    VALLERIA

    20.01.14

    BOA NOITE SUA IRRITANTE.
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